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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Amiga de Proust

                                Raimunda



Sou amiga de Proust.

Sou sua presença, ausência.

Sinto suas pulsações, seus bocejos, suas angústias quando precisa se separar de mim.

Eu o ouço, o vejo, o sinto.

Estou com ele nos galhos da azinheira, lendo escondido dos colegas.

Estou em seu olhar, na sua voz que não sai.

Estou no seu pensamento, juntando-se ao pensamento do seu autor preferido.

Me delicio com suas fugas, seus detalhes, minúcias.

Sou tão próxima dele que o que era amizade sincera, descompromissada, desinteressada, passou a ser, não sei quando, em que dia, um amor sereno, bonito, como um rio que cumpre seu destino de ser rio. Eu sou seu rio, sua ponte, sua água. Sou suas flores singelas e prediletas.

Sou seu lençol de cambraia bordado de tricô caprichado e bem cuidado.

Sou o carinho demonstrado por ele a objetos existentes em sua vida, seus lugares prediletos para descortinar, encontrar-se, familiarizar-se com seus personagens...

Eu sou cúmplice do seu respeito pelos grandes mestres.

Sou cúmplice do seu jeito de transformar em poesia, um simples sentar-se à mesa.

Sou ele quando está de posse do querer trilhar os atalhos saborosos para descobrir do outro lado da janela a simplicidade do jardineiro, a descrição (imagem viva) de um mosteiro com suas sombras, suas vidas, sua história.

Eu o acompanho com alegria, emoção, ansiedade.

Quero vê-lo voltar-se sempre para mim.

Não sou possessiva, apesar de tudo que disse;

Não sou ciumenta, apesar de querer tê-lo sempre comigo;

Não sou vaidosa, apesar de saber que sou sua melhor companhia.

Sou, em verdade, sua realização como menino, adolescente, homem.

Sei que não substituo sua alma no sentido estrito do termo, mas contribuo para que ele se eleve, se construa, se defina como responsável por seu caráter, seu ser, seu saber.


Saber,

Conhecer,

Viver,

Escolher...

Sou sua leitura.


Maio de 2003.